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Ninguém quis ver

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Uma pitada de violência de gênero, de experiência de pobreza, privilégios e genealogia. Pouca, porque a realidade já contêm o suficiente e ninguém quis ver.


Sem nome

o vassoureiro
o moço da pipoca
o feirante

o catador de latinhas
a voz do carro do pão
o rapaz morto ontem
o garçom

o motorista da van
o camelô
não têm nome próprio


os animais de rua também
não têm nome próprio
nem ocupam cargos públicos


a mulher nunca tem nome próprio
é a mulher do Fulano


a minha avó não teve nome próprio
os filhos a chamavam de mãe
eu a chamava de vó
e ela sempre atendia


a minha avó me ensinou
a atender prontamente
e a morrer sozinha


ela também me ensinou
a degolar franguinhos
e que as mulheres são sempre
propriedade de alguém


menos as que matam o marido
e fogem com a cabeça
numa sacola de mercado


essas ganham nome
nos jornais
e ameaçam o anonimato
das mulheres que em breve
vão aprender
a degolar franguinhos.

poema de Bruna Mitrano
in: Ninguém quis ver, Companhia das Letras, 2023.

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