O silêncio cresce, se fortalece . . . Silêncio agourento. É a gestação de um mau momento. Uma notícia ruim vem ao fim do silêncio.
Findo o dia barulhento, a noite quieta. Pois o silêncio está espesso por demais. Então fecho os olhos num movimento brusco; quase consigo agarrar esta ausência opressora.
Apenas um som abafado de relógio a me importunar, frio, insensível . . . maquinando contra a vida. Acendo a luz e vou encontrá-lo no armário. Um relógio antigo de pulseira estraçalhada. Embora, sem interesse pra mim, valioso para o tempo; fiel testemunha e metro do seu escorrer implacável. Desamparo o relógio sobre a mesa da cozinha e fecho a porta do quarto.
Então, o silêncio cresce, se fortalece . . . Silêncio agourento. É a gestação de um mau momento. Uma notícia ruim virá com o fim do silêncio. Notícia maldita, filha do silêncio e do tempo. Tempo e silêncio: estão acasalando-se contra mim.
Mas quando voltarão os sons, o burburinho da vida? Estará lá a vida? Pois logo ocorrerá este parto maldito em que nascerá um som e com ele uma notícia maligna.
Eis que meus tímpanos são feridos, vibram intensamente: uma badalada. Do alto da torre da igreja, o sino anuncia as duas horas da madrugada. Em resumo, é o mal se utilizando do badalo; seu profeta, mensageiro de sua chegada.
O silêncio retorna mais espesso, denso, grosso; silêncio profundo. Agora é só o som do coração angustiado a pressionar os tímpanos para fora. Mesmo o som das entranhas quer abandonar-me.
Silêncio . . . silêncio! Solidão: a única companheira nesta agonia prévia à catástrofe.
A escuridão deste silêncio me envolve, busco refúgio no sono. As badaladas da madrugada, covardes que são, não ousariam buscar-me neste adormecer.
Ao raiar o dia, só o som terrível do telefone denuncia o parto temido. Então chega a notícia. Então pega pelo calcanhar, então me põem de ponta cabeça. Masco um naco de velhice. O gosto amargo pinicando o coração, infunde uma ruga no canto da boca.
É tempo de sofrer.
A lamparina se apagou
ainda cheia de azeite
O pavio grosso
desabrochado
O sopro da vida
o hálito do breu
se misturou
Apagou. Ela se foi.