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Velhas verdades costuradas à mão

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radio antigo azul

As velhas verdades sempre engolem e suplantam as fake news, mesmo que o inverso pareça ser o que prevalece.


VELHAS VERDADES COSTURADAS À MÃO.

Pra começar, a Patrícia me entrega o envelope pardo com meu nome e enche meu dia de ansiedade. Mas o que chama a atenção é um daqueles carimbos japoneses, uma hanko, na extremidade inferior do envelope… fico a indagar se não é adequado calçar um par de luvas de branco algodão. Pois senti segurar algo sensível, assim tão delicado quanto uma granada, cujo conteúdo pode explodir a um suave movimento. Por fim, respiro e abro o envelope depois de esfregar as mãos pelas calças; esse gesto esterilizante.

Foto de instalação no Museu do Amanhã, Rio de Janeiro, mai24.
Foto de instalação no Museu do Amanhã, Rio de Janeiro, mai/24.

Então o conteúdo é um gracioso livro, com as páginas unidas à mão por um barbante vermelho. O nome do autor consta de um modo inusitado, ao menos para as minhas expectativas. Pois também está explicitado num hanko, um carimbo circular e vermelho (cor de perigo que o cordão já prenunciava). Essa forma de registrar a autoria diz tanto … e muito.

Logo acima o título: velhas verdades (em caixa baixa, em minúsculas). O elo foi imediato e inevitável. Velhas verdades contrapondo-se ao termo fake news. É impossível não registrar esta conexão.

Mas olhe, tem dois textos que eu sempre invejei; gostaria de ter sido eu a escrevê-los. O primeiro é do Mário Palmério, quando descreve o bote que a sucuri dá no focinho do boi, no romance Vila dos Confins. O segundo, a historinha do Miguilin, que nos causos do Guimarães Rosa, descobre o mundo usando os óculos da visita. Hoje descubro um título que gostaria que fosse meu: velhas verdades. Porém é uma coisa boa, mais do que inveja mesmo, um reconhecimento de brilhantismo desses mestres.

Tenho sentido tanto a falta de fazer frente à essa moda de mentiras travestidas de um nome mais pomposo e, o que é muito significativo, em inglês: as tais fake news. Cara, é só mentira, pura meledicência. É só e tão somente o 8º mandamento do decálogo: não levantar falso testemunho. Como se mudando o nome, deixasse de ser hediondo.

Então me vem o genial Tony Hara, de forma singela, sem nem mesmo mencionar estas mentiras entranhadas na sociedade e firma o imperativo de serem as velhas verdades o que tem valor.

Na minha interpretação míope, trata-se de uma singeleza tamanha destronar todo um discurso globalizado, um dogma da vida atual, com a demonstração de que a verdade prevalece. As velhas verdades. Sou levado a pensar em mansidão; em pacifismo; sentir um sabor de gentilezas.

E no livro, isso tudo calçado em inquestionáveis pensadores, do Ocidente e do Oriente.

Então a ansiedade inicial que eu senti ao receber o envelope, dá lugar a um sentimento de necessidade de organizar estes conceitos nos meus arquivos cerebrais. Absorver essa esperança na verdade. Lembrar que a mentira é um sopro que passa, nada mais que isso.

Pode parecer pouco, mas nesses tempos em que voltamos a chafurdar a idade das trevas, a certeza da verdade já é o suficiente para ancorar a esperança de outros tempos, outros momentos.

Arigatou gozaimasu, Tony Hara sam.

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Acesse AQUI outro post da Coluna O COTIDIANO.

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