Sonhar com o avô pode dizer muito sobre o nosso cotidiano.
O SONHO COM O NONINHO.
O meu avô Marangoni morreu muito cedo e só sei dele pelas histórias e por uma única foto. Portanto, só conheci o avô paterno, o João. Isso foi pouco antes dele falecer. Eu tinha 2 anos, mas recordo a cena toda. Ele acamado, pedindo à minha mãe para colocar o netinho ao seu lado e passando nas faces infantis os seus calos de décadas de luta com a terra.
A questão é que sonhei com o homem. É, naqueles tempos eles nem ficavam velhos, morriam cedo, pela dificuldade da vida, pela falta de medicina e também pelas ignorâncias da roça. Então nem era um velho, como bem caberia a um avô. Só um homem.
No sonho eu chamo ele de noninho e ele me pergunta como estão as coisas. Penso que ele queira se atualizar.
Com todos esses desastres oriundos das alterações climáticas, eu falo de inundações, de tempestades tropicais, de nevascas, furacões, tornados e tsunamis.
O noninho enrosca seu olhar nessas palavras todas. Alerta que não está entendendo nada. Eu explico que são coisas da crise climática. Consequências. E ele continua empoçado.
Por fim me diz que não sabe o que significam essas palavras todas, com exceção de inundação. De modo algum consegue repetir tsunami, mesmo que eu separe as silabas para ele.
Só então dou conta de que essa avalanche de termos não existiam no mundo dele.
Ou seja, em algumas décadas, a humanidade deu conta de inventar tudo isso e trazer pro nosso cotidiano, pro nosso desespero, até pros nossos pesadelos.
Pesadelo! Afinal foi isso aí que eu tive. Não um sonho com meu noninho, mas um pesadelo com a humanidade.