A queda do céu

1
Foto de David Kopenwa e Nilson Giraldi, São Paulo, 2019.
radio antigo azul

Temos também isso a aprender com os nossos irmãos das florestas: como manter o céu lá em cima, límpido e celeste.


A QUEDA DO CÉU.

“Não sou um ancião e ainda sei pouco. Entretanto, para que minhas palavras sejam ouvidas longe da floresta, fiz com que fossem desenhadas na
língua dos brancos. Talvez assim eles afinal as entendam, e depois deles
seus filhos, e mais tarde ainda, os filhos de seus filhos. Desse modo, suas
ideias a nosso respeito deixarão de ser tão sombrias e distorcidas e talvez
até percam a vontade de nos destruir” – Davi Kopenawa em A Queda do Céu, Companhia das Letras, 2015.

Eu li e depois reli o livro A QUEDA DO CÉU. Pois neste livro podemos conhecer um tantinho do povo Yanomami. Na época em que li o livro eles nem estavam tão em evidência. Contudo, desde a primeira leitura deste livro, fico me perguntando o que é que poderia manter este céu lá em cima, no seu papel de firmamento. Ou seja, o que pode evitar a queda do céu.

Em abril de 2019 encontrei com o Yanomami Davi Kopenawa e então ele mesmo deu a resposta. Ele disse que seria necessário utilizar a palavra ao invés da flecha, para chegar aos povos da cidade.

Pois eu também defendo que só as palavras podem sustentar o céu, evitar que desmorone sobre nossas vidas.

Conforme falamos uns com os outros, vamos imprimindo um ritmo ao nosso viver, permitimos que o universo mantenha-se girando.

Mas a questão é que as palavras estão desaparecendo do cotidiano. Quando relatamos termos falado com alguém, na verdade o que fizemos foi enviar uma mensagem, onde metade de tudo são e-mojis, joinhas ou algo assim.

Tenho uma lembrança da minha infância lá em Santa Catarina. Por vezes, as mulheres conversando e quando uma anunciava que ia contar algo que se passou na comunidade ou com alguém, a ouvinte dizia “não me conte, não me conte”. Essa fala dava o ritmo ao diálogo das comadres. Pois a conversa mantêm a dinâmica da comunidade, sustenta o firmamento deles. Impede a queda do céu.

Por fim, atualmente este movimento vem sendo substituído por uma fala on-line. Onde cada um se expressa de uma vez. Tudo muito assertivo e rápido. Mas sem espaço para interjeições de espanto, de alegria, de medo. Impossível levar a mão espalmada à boca enquanto dispara um “não me conte”. São apenas informações pasteurizadas numa conversa de distantes, de pessoas que não estão sob o mesmo céu.

Isso tudo faz com que o céu fique mais baixo, mais pesado, raspando nossas cabeças, tal e qual um dia de tempestade se anunciando.

Acredito que temos também isso a aprender com os nossos irmãos das florestas: como manter o céu lá em cima, azul e cativante.

logo rádio UEL

Áudio: Trabalhos técnicos de Ricardo Lima – Rádio UEL.

SUGESTÕES DE PRAZER: MÚSICA YANOMAMI – YouTube
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. 2015. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras. 729 p.

Acesse AQUI outro post da Coluna O COTIDIANO.

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn