A sombra de ninguém

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Guerreiro em bronze, séc IV a.C. Cripta Arqueológica, Alcacér do Sal, Portugal.

Todos deixaremos algo de herança. Quero deixar meu silêncio. Vou trocar minha vida pela sombra de um ninguém.


A SOMBRA DE NINGUÉM.

Pensei em escrever um livro, uma biografia. Minha mesmo, pois não quero enfiar-me na confusão de ninguém. Já basta o peso da vida que me cabe.

O primeiro passo é estruturar o projeto. Mas logo vem a questão: escrevo a vida que eu tive ou a que gostaria de ter tido?

Por fim, decido pela real, a do dia a dia; e não por aquela da minha imaginação.

Agora é só ir desenhado os capítulos e encher de enredo. Pronto. Vou construindo os silêncios, pois diálogo, consegui nenhum. A tentativa de desenhar alguns cenários resulta em um vazio repleto de vácuo.

Então proponho alinhavar umas ideias e obtenho uma única linha, apenas imaginária.

Agora tenho mais de cem páginas preenchidas por nadinhas de nada. Mas a capa do livro terá um título: Vazios e silêncios.

Finalmente resolvo deixar pra lá, melhor abortar a publicação e projetar um romance sobre a vida de alguém que nunca existiu. Com certeza esta não pessoa terá muitas ideias, muitos fatos, muitos episódios para contar. Com isso esse personagem passará a existir para nós, que continuaremos não existindo.

Pode ser que o personagem seja um cara interessante e ao final, vou achar que são minhas suas andanças, sua proezas. Acabarei por tomar-lhe a memória e acreditarei que eu seja melhor do que sou.

Então, por fim, terei conteúdo para escrever uma biografia. Um tanto roubada, mas minha. Vou trocar a minha vida pela sombra de alguém que não existe.

Fique no aguardo, um dia desses entrego um exemplar autografado.


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Áudio: Trabalhos técnicos de Ricardo Lima – Rádio UEL.

Acesse AQUI outro post da Coluna O COTIDIANO.

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