Vivo numa civilização pálida, onde a única forma de parecer sadio é estando mesmo enfermo.
CIVILIZAÇÃO PÁLIDA
Hoje me deparei com a foto de um indígena totalmente nu. Não me refiro apenas às suas vestimentas. Pois uma profusão de pinturas até poderia servir de substituto aos tecidos que os brancos esperam estar cobrindo o corpo.
Pois era mais um nu íntimo. Em síntese, a postura das mãos, da cabeça, a altivez do olhar; tudo evidenciando uma nudez. Assim, um exposto.
Confesso que isso me deixou chocado. Afinal, não posso absorver essa postura. Estou condicionado ao tapar-se, à decência pública.
Eu sinto a premente necessidade de esconder a minha careca num boné, a título de protegê-la do sol, das pupilas alheias.
Então ouso vestir meus sentimentos agressivos com palavras polidas e mal acomodadas no meu olhar. Admito um falso sorriso para referendar uma ideia com a qual não concordaria nunca.
Disfarço uma repulsa intensa num aperto de mão firme, enérgico.
É esta noção de urbanidade exigindo minhas fechadas vestes. É a decência social demandando esse falso véu tecido na polidez e costurado com a linha alva do sorriso dissimulado.
Agora estou ansiando por aquela doce liberdade de estar nu, desprovido de filtros. Poder ser eu mesmo a qualquer instante.
Mas certamente eu seria condenado por essa indecência que é expor-se socialmente. Então teria que suportar a pena de ser taxado de grosseiro, de louco, de desajustado, de doente.