Eu poderia colocar-me a lavar o túmulo. Mas seria como banhar os ossos dos parentes. Falta estômago para isso no meu abdômen.
COSTUME DE MÃE.
Alguma herança nossas mães já nos concedem em vida. Por vezes pode até ser dinheiro ou algum imóvel. Porém no normal mesmo, costuma ser uma herança de costumes, de manias.
Eu herdei o hábito de ir ao cemitério visitar os familiares que já não estão aqui. Nem em casa, nem mesmo lá no túmulo. Mas é como se estivessem. Contudo, não estão. Acho!
Eu não estaria lá no cemitério, morto fosse. Recusaria o papel de enfrentar sóis e chuvas até o dia em que surgisse um parente a olhar para o amontoado de tijolos que cobririam meus ossos.
Mas descobri uma maneira de disfarçar essa ausência indiscutível do finado. É só levar uma flor barata e colocar no meio do túmulo. Então o olhar gruda naquele vaso barato e a imaginação pode flanar livre pelo santo espaço.
Mas não fui eu a inventar esta tática das flores. Só copiei do “todo mundo” que já o faz há séculos, como se fosse um ato de amor.
É bem verdade que eu poderia me colocar a lavar o túmulo. Mas isso seria como banhar os ossos dos parentes. Falta estômago para isso no meu abdômen.
Assim, com o recurso do vaso de flores, ficamos todos felizes: os parentes por entenderem que não fui lá para invocá-los, de onde quer que estejam; a florista da porta do cemitério por saber que farei a compra semanal; eu por ter onde disfarçar meu olhar por alguns segundos; a humanidade por comprovar que o culto aos antepassados está sendo executado por um pecador qualquer numa tarde de sábado mais qualquer ainda.