Esquina movediça.

1

Palmilhamos pegadas de caminhos que pensávamos nunca termos abraçado.


ESQUINA MOVEDIÇA.
Pomba descansa em grade de janela, observando a vida na rua.
Pomba na grade da janela em Cartagena de Índias, Colômbia.

Sem opção, fomos despejados numa cidade, em certa família: assim nascemos.

Portanto, vamos levar esta marca por toda a vida; até mesmo quando, mais tarde, decidirmos mudar de endereço, de País. Ou até ao romper com todos os parentes depois de nossos pais terem partido: desta vida ou do coração.

Assim, não serão apenas os dias ou anos que perdemos pelas ruas da cidade natal que nos perseguirão aonde formos. Ou até mesmo o rastro do cheiro da espiga de milho que a mãe cozia sobre a chapa do velho fogão à lenha.

Muitos costumes, um punhado de crenças, algumas certezas estarão entranhadas na pele, calcificadas aos ossos, por exemplo. Em outras palavras, resquícios destes dias vividos na cidade que ouviu o primeiro berro de reclame à falta do poder da escolha.

Assim, o materno leite seguirá a jorrar por qualquer rua que se adote. Em uma nova cidade muito distante, apesar de tapar os ouvidos, persistirá o vagido daquele primeiro bairro.

Pois então: “A cidade o seguirá. Você vai percorrer as mesmas ruas. E você envelhecerá nos mesmos bairros; e você ficará grisalho nessas mesmas casas.”*1

Aqueles olhos familiares seguirão espreitando sua vida em detalhes que você mesmo desconhece.

Essa sina não nos cabe deitá-la fora. Afinal, aquilo que foi desperdiçado naquelas vielas, continuará a ser corroído também aqui ou acolá.

Nos é permitido partir, mas sempre vamos juntos nesta fuga infrutífera. Por fim, vamos palmilhando pegadas de caminhos que pensávamos nunca ter abraçado.

Você marcha, avança, evolui, mas acaba naquela mesma esquina de outrora.

Áudio: Trabalhos técnicos de Ricardo Lima – RÁDIO UEL.

Acesse outro post da Coluna O COTIDIANO.


Foto do poeta Constantin Cavafis.

*1 LA CIUDAD (Constantin Cavafis, 1863-19330)

Dijiste: “Iré a otra ciudad, iré a otro mar.
Otra ciudad ha de hallarse mejor que ésta.
Todo esfuerzo mío es una condena escrita;
y está mi corazón – como un cadáver – sepultado.
Mi espíritu hasta cuándo permanecerá en este marasmo.
Donde mis ojos vuelva, donde quiera que mire
oscuras ruinas de mi vida veo aquí,
donde tantos años pasé y destruí y perdí”.

Nuevas tierras no hallarás, no hallarás otros mares.
La ciudad te seguirá. Vagarás
por las mismas calles. Y en los mismos barrios te harás viejo
y en estas mismas casas encanecerás.
Siempre llegarás a esta ciudad. Para otro lugar -no esperes-
no hay barco para ti, no hay camino.
Así como tu vida la arruinaste aquí
en este rincón pequeño, en toda tierra la destruiste.

Versão de Miguel Castillo Didier

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