Jantar de noivado

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O sonho de um noivo, de um casamento, servido assim: meio cru.


JANTAR DE NOIVADO.

O corpo de Marina já a encher o vestido florido. No entanto, a cabecinha de 15 anos, ainda vazia de pretensões. Não fosse uma. Primeiramente, quer um educado, um cheiroso, algum noivo que a ame. Já a mãe, menos crédula, pensa que se também amar, melhor. Mas de outra forma, continua sendo um destino.

Pois as meninas pensam muitas coisas, muitas ansiedades, dos quinze aos vinte uns. Por outro lado, Marina só doirou o sonho de noivar. Não gosta de festas, de comprar roupas. Contudo, prefere garimpar os itens que vê nas revistas de noivas.

Então o sonho da filha preenche também a cavidade fútil da vida da mãe. Uma vez que esta vai palpitando, buscando evitar os desgostos que teve no seu noivado, sua festa de casamento. Talvez mais atenção na distribuição dos convivas pelas mesas. Possivelmente, escalar alguém para vigiar o noivo na colocação dos adereços.

Ah, os noivos. Os noivos vão às bodas, obrigados que são. Nunca estão inteiramente lá. Pois permanecem espetados na lembrança de antigas saias, presos a sabores de sábados e domingos na vagabundagem dos amigos.

Já o celebrante, esse é fundamental eleger com sabedoria. É mais importante a escolha do padre que a do noivo. O noivo caminha uns metros, lentamente. Aperta as mãos do sogro, então vem o beijo na testa da noiva, solta um sim vigorosamente treinado. É o caso de transparecer segurança, ganas, virgindades. Um beijo médio: nem novela, nem selinho. Acabou-se!

Mas o reverendo, esse fala o que e quanto quer. Seja doce ou rudemente. Pode falar do casamento idealizado ou de Adão e Eva, maçãs podres e traições. Requer cuidados!

Os bordados, louças, grinalda, as flores, músicas, jóias, os adereços, tudo foi sendo acomodado no baú do tempo, no antegozo do dia mais lindo.

Mas a genitora acompanha com uma ponta de inquietação. Pois Marina nunca acenou com o único item que ainda falta. Aquilo que está em todas as revistas, a despeito da inutilidade, quase um adereço, porém imprescindível.

A mãe questiona. A filha argumenta, isso se arranja, surge quando menos se espera. A mãe só diz, filha, mas o noivo… Nem completa a frase. Acostumada a ser objetiva, argumenta que sem definir o noivo, não é possível avançar com o corte do terno, a numeração dos sapatos, a altura do moço. Se alto, melhor Marina exagerar no salto. Muito miúdo, encurta o salto. Essas combinações necessárias.

Pois a bile da mãe corrói muita víscera até o dia em que a outra parte surge, num passe de feitiço. Mesma altura, sorriso largo, mãos cuidadas, gentilezas. Tudo perfeito, não fosse… Marina, melhor falar com seu pai antes desse jantar aí. Mas a menina insiste em surpreender o pai e o irmão. Nunca participaram mesmo dos eternos preparativos.

No jantar, o velho quase não engole a lasanha. Está tudo bem Marina, seu pai ama você, mas noivo de saias, cabelos loiros a descer abaixos. Não vai ficar bem, a moça enfiada no fraque, no dia do casamento. Por fim rende-se; aceita por amor à filha.

Terminado o jantar, o noivo, a noiva, a outra noiva, foi embora. O irmão é quem rompe os pensamentos. Acha uma coisa.

Ciente de que vai ser isso mesmo, o pai, mudo no seu habitual, só diz, ô Ricardo, algum dia traga uma mulher bonita para jantar, vê se aprende aí com a sua irmã. Você só traz umas barangas, umas desclassificadas.

Então o velho levanta e vai pitar o último do dia, lá na varanda dos fundos.

Áudio: Trabalhos técnicos e paisagem sonora de Elias Vergennes – RÁDIO UEL.

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