Pensamos tanto só em nós mesmos que não sobra um tempinho para alegrar a vida dos que estão passando por nós, nem que seja só com um pequeno jardim.
JARDIM SEM MUROS.
Resolvo visitar a cidadezinha onde nasci. Saudades dos parentes, dos amigos, mas acho que também um pouco de saudades de mim, do menino que corria pelas ruas enlameadas ou brincava de esconder-se nos terrenos baldios da periferia da meia dúzia de ruas de então.
Estou dando um passeio pelas muitas ruas que existem agora. Então observo que todas as casas têm um jardim bem cuidado em frente. Mesmo as mais simples, com as latas de tinta reaproveitadas.
Na cidade pequena a conversa acontece fácil, não existe a desconfiança dos grandes centros.
Elogio o quintal florido e pergunto à senhorinha por que todos cultivam jardins na cidade. Ela responde que é para deixar a cidade linda, para que os moços bonitos que passam pela calçada parem para admirar e puxem conversa. Dá uma risadinha de malandragem.
Por fim pergunto o nome de duas ou três flores que não conheço, e tenho que responder a uma sabatina que incluí em que cidade moro, a que família do local pertenço, até que consigo continuar minha caminhada.
Lembrei-me de que isso dos jardins nas casas começou na Inglaterra. As pessoas plantavam grama ou flores em frente as casas para mostrar o quanto eram ricos, pois tinham um pedaço de terra onde podiam se dar ao luxo de cultivar um jardim. Era um sinal de status.
Aí fico pensando na resposta da comadre, pois diz que mantêm o jardim para alegrar os passantes. De fato, todos os canteiros das ruas da cidade são bem cuidados, demonstrando que também a administração local se preocupa em manter tudo bonito e limpo.
Encontro um tiozinho sentado próximo à calçada, aproveitando o sol matinal.
Cidade pequena, muitas vezes as casas não têm muros. Nesta casa existe apenas uma cerca baixa. O jardim está cheio de roseiras floridas. Fácil de entrar no quintal e roubar umas. Então tive que lembrar que na juventude fiz isso, quando um cacho de rosas pendia para fora da grade da casa da esquina. Colhi o cacho e levei para a garota do meio da rua. No dia seguinte a vizinha da esquina foi lá e viu suas rosas. Então ficaram sabendo da minha arte. A vizinha da garota achou tudo lindo e disse que as rosas ficavam melhor alegrando o coração da garota do que no jardim dela. Escapei dessa.
Pergunto ao senhor se não roubam as suas flores. Primeiro ele diz que sim, que é bem comum roubarem rosas ou mudas de outras flores. Depois explica que na cidade, ninguém liga quando isso acontece. Afinal o ladrãozinho roubou pra quê? Para plantar no seu jardim. Isso é bom, pois se der uma doença nas suas plantas, alguém vai ter uma muda para ele roubar. Diz isso e solta uma gargalhada.
Agora, dirigindo ao voltar para casa, fico pensando que alguém está louco. Ou essa cidade onde nasci, ou todo o resto do mundo, com suas posses, muros, cercas elétricas e sem jardins.
Áudio: trabalhos técnicos de Élson Ferreira da Silva – Rádio UEL.