Sobre uma parede enfeitada pelos cadáveres das caixas de remédios.
NAS CALÇAS DE RISCA DE GIZ.
Você consegue visualizar aí na sua imaginação, um indivíduo daqueles antigos? O vivente usa chapéu, um pouco de ladinho; sapatos de duas cores; calça risca de giz; camisa colorida de manga longa. Por fim, o indefectível cachimbo dependurado nos beiços. Assim é o Renato, ainda nesses dias que o sol vai torrando, um a um.
Mas não sei se a sua barbicha está mais encanecida pelo tempo ou queimada pelo tabaco, ou seja lá o que mais que ele deposita na boquilha do pito.
Apesar da longa estrada trilhada, o Renato mantêm o hábito de utilizar-se de gestos grandiloquentes e o uso de palavras que não raro, preciso buscar o significado. Segundo ele, herança do rico vocabulário utilizado pelo avô materno, que buscava branquear-se através das palavras requintadas.
Porém preciso mesmo lhe contar uma curiosidade que consta nas paredes da casa deste personagem peculiar. Ele é o tipo do velho que enfeita paredes com posters de vovós, quando ainda eram jovens e pousavam para revistas. Contudo o que as tachinhas mantêm enfeitando a parede são os cadáveres de caixas de remédio,
Mas o Renato explica que no atual, são as embalagens esvaziadas que registram o tempo que ele já não tem. Os dias e meses que se foram. Enquanto ele vai consumindo as cápsulas, os medicamentos vão ingerindo o tempo que lhe resta. É disso que os remédios se alimentam, do tempo da gente.
Mantêm os olhos fixos no chapéu, cujas abas ele vai desfilando por entre os dedos, como uma reza que se seguisse ao palavreado.
Eu, na trincheira das minhas ideias, fico a pensar que talvez o Renato nem seja tão antigo assim. Quiça seja o mais atual dos homens, misturando a química dos medicamentos ao tempo que lhe escorre.
Já não conta o tempo que não tem no calendário, mas nas embalagens dos remédios expostas na parede.