Uma pitada de violência de gênero, de experiência de pobreza, privilégios e genealogia. Pouca, porque a realidade já contêm o suficiente e ninguém quis ver.
Sem nome
o vassoureiro o moço da pipoca o feirante o catador de latinhas a voz do carro do pão o rapaz morto ontem o garçom o motorista da van o camelô não têm nome próprio
os animais de rua também não têm nome próprio nem ocupam cargos públicos
a mulher nunca tem nome próprio é a mulher do Fulano
a minha avó não teve nome próprio os filhos a chamavam de mãe eu a chamava de vó e ela sempre atendia
a minha avó me ensinou a atender prontamente e a morrer sozinha
ela também me ensinou a degolar franguinhos e que as mulheres são sempre propriedade de alguém
menos as que matam o marido e fogem com a cabeça numa sacola de mercado
essas ganham nome nos jornais e ameaçam o anonimato das mulheres que em breve vão aprender a degolar franguinhos.
poema de Bruna Mitrano in: Ninguém quis ver, Companhia das Letras, 2023.
Áudio: Trabalhos técnicos de Ricardo Lima – Rádio UEL.