O chap-chap no assoalho

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Tatsuya Tanaka, em exposição no Japan House SP, ago23.

A imaginação vai criando expedientes para reviver as pessoas queridas que perdemos pelo caminho.


O CHAP-CHAP NO ASSOALHO.

A tia Lúcia foi embora há uns tempos. Embarcou na então pandemia da Covid e nem disse adeus.

Mas daí que estou na casa onde a mãe da minha amiga viveu por mais de 50 anos e ouço suas chinelas ecoando nos tacos de madeira. Estou sentado à mesa da cozinha esperando a amiga.

A tia Lúcia, todos a chamavam assim, tinha um jeito característico de bater as chinelas pela casa. Só pelas variações desse som, sabíamos do estado do seu humor.

E hoje está bem tranquilo. Ao contrário dos pelos dos meus braços, que ficam todos em alerta com o som. Mas nem era nada disso. Logo aparece a amiga com o calçado da falecida mãe. Pronto, fim do mistério, porém eu ainda estou em choque e resolvo perguntar o que ela está fazendo com os pertences da finada.

Reprodução de Fogos de Artifício, de Tatsuya Tanaka, em exposição no Japan House SP, ago23
Tatsuya Tanaka, em exposição no Japan House SP, ago23.

Então ela explica que todas as manhãs, leva a mãe para passear, através das chinelas da velha. Caminha por toda a casa, uma volta pelas folhagens do quintal e guarda o calçado.

Pois entendo que é a forma que ela encontrou de continuar sua relação com a falecida mãe, mantê-la viva de algum modo.

A mim ao menos, funcionou. Ouvir o chap-chap das chinelas logo reavivou a tia Lúcia na minha memória. Ela também respirou por uns momentos, na minha cabeça.

E olhe que talvez tenha, nesse instante, estado mais presente do que quando estava viva.

É a nossa imaginação que vai criando expedientes para reviver as pessoas queridas que perdemos pelo caminho.

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Áudio: Trabalhos técnicos de Ricardo Lima – Rádio UEL.

Acesse AQUI outro post da Coluna O COTIDIANO.

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