A imaginação vai criando expedientes para reviver as pessoas queridas que perdemos pelo caminho.
O CHAP-CHAP NO ASSOALHO.
A tia Lúcia foi embora há uns tempos. Embarcou na então pandemia da Covid e nem disse adeus.
Mas daí que estou na casa onde a mãe da minha amiga viveu por mais de 50 anos e ouço suas chinelas ecoando nos tacos de madeira. Estou sentado à mesa da cozinha esperando a amiga.
A tia Lúcia, todos a chamavam assim, tinha um jeito característico de bater as chinelas pela casa. Só pelas variações desse som, sabíamos do estado do seu humor.
E hoje está bem tranquilo. Ao contrário dos pelos dos meus braços, que ficam todos em alerta com o som. Mas nem era nada disso. Logo aparece a amiga com o calçado da falecida mãe. Pronto, fim do mistério, porém eu ainda estou em choque e resolvo perguntar o que ela está fazendo com os pertences da finada.
Então ela explica que todas as manhãs, leva a mãe para passear, através das chinelas da velha. Caminha por toda a casa, uma volta pelas folhagens do quintal e guarda o calçado.
Pois entendo que é a forma que ela encontrou de continuar sua relação com a falecida mãe, mantê-la viva de algum modo.
A mim ao menos, funcionou. Ouvir o chap-chap das chinelas logo reavivou a tia Lúcia na minha memória. Ela também respirou por uns momentos, na minha cabeça.
E olhe que talvez tenha, nesse instante, estado mais presente do que quando estava viva.