Oxímoros na ponta da língua.

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A linguagem, mais do que as armas, é um instrumento de domínio.


OXÍMOROS NA PONTA DA LÍNGUA.

Estávamos numa conversa de amigos. Um dos participantes é do tipo que diz uma coisa, mas no meio do assunto já abraça o contrário e nunca sabemos sua posição. O Léo ficou nervoso com ele e soltou a sentença: cara, você é mesmo um oxímoro.

Reprodução de detalhe da obra Matuto Predileto, Fábio Baroli, 2013, pintura a óleo sobre tela.
Detalhe da obra Matuto Predileto, Fábio Baroli, 2013, pintura a óleo sobre tela.

Então o outro ficou chateado, até que explicamos que nem é um xingamento. Pois oxímoro é só uma figura de linguagem muito utilizada na literatura.

Por exemplo, Sheakspeare, Fernando Pessoa, Byron, Whitman, todos utilizavam muito os oxímoros. Mas já explico: é quando você utiliza ideias contrárias num mesmo pensamento ou definição.

Pois então vamos de Camões para um exemplo:

Amor é fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.

Você já entendeu, não é?

Por outro lado, tempos depois os jornalistas passaram a se utilizar dessa figura de linguagem. Desde então lançam mão de oxímoros como: estimativa exata, silêncio eloquente, morto-vivo, pequeno milagre.

Até aí tudo bem. Nem o Léo, nem os escritores, muito menos os jornalistas ofenderam ninguém.

Mas percebo que os políticos também estão utilizando esse recurso. Lembro do presidente FHC que me surpreendia com sua idéia de utopia possível. Mas foi piorando. Só para termos alguns exemplos: gestão democrática; paz armada; guerra civil; problemas de saúde ou saúde debilitada; saída honrosa de ministros. Num determinado momento passa-se a alegar uma solução impossível ou a manifestação de uma pequena multidão. Fala-se de oposição leal; de ordem aleatória ou de militantes pacifistas. Se as coisas não vão bem, temos um crescimento negativo; ou notícias antigas.

Pois bem, agora eu é que vou dar uma opinião imparcial: devemos tomar cuidado com as questões de linguagem. Pois é um instrumento de domínio. E quando passam a utilizar figuras de linguagem para mascarar o que deveria ser transparente, vai sendo criada uma linha de pensamento. Então a população reproduz essa linguagem e cria-se uma verdade.

Já não estamos mais em tempos do domínio ser exercido apenas à força bruta, ao poder de armas. A linguagem é quem faz isso atualmente. Veja quantas vezes você não se ufanou de ser um consumidor consciente: oxímoro. Mas somos capazes de defender esta ideia com argumentos que nos parecem válidos.

Talvez você alegue que tudo isso é uma crise menor (o que também é oxímoro), mas convêm que estejamos atentos ao que ouvimos e mais ainda, ao que falamos.

Agora estou lembrando do seriado do Chaves: foi sem querer, querendo.

Áudio: trabalhos técnicos e paisagem sonora de Elias Vergennes – Rádio UEL.

Acesse outro post da Coluna O COTIDIANO.

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