Viajo porque preciso

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Fui…. ou já estou voltando? Será que adianta acelerar, ou dá na mesma? É a barulheira, a ronqueira do motor já quente assoprando a estrada.


VIAJO PORQUE PRECISO.

Eu anuncio que preciso viajar. Então ela pergunta “pra que” ao invés de “pra onde”. Pois não é que a pergunta dela está certa? Pra que?

É que eu estou parado, travado, estou uma pedra. Estou assim, ansioso por um vento nas fuças; louco para mergulhar as retinas no mar dessa imensidão de caminhos.

foto do autor equipado para viagem de moto.

Principalmente, preciso fugir dela, de tanto que a amo. Preciso amar de longe, pra ser mais afetuoso, sentir mais seu carinho. De perto não existe carinho algum; mas de longe tem a desculpa da distância.

Ela está esperando a resposta, batucando o pezinho. 

Lembro do filme e resmungo, “viajo porque preciso”. Ela vai querer saber do que é que preciso, o que é que não tenho aqui.

Preciso de você. Pois preciso ir pra pensar que estou voltando pros seus braços.  Ah, nem vou dizer isso tudo, senão vai carecer de muita explicação.  Resposta que precisa explicar, nem é boa. Já é quase uma pergunta.

Então disparo a desculpa de um meio sorriso. Já deu. Ela virou e saiu perguntando quando retorno.

Volto antes de ir de novo, quase me escapa dos bofes,  mas consigo engolir com um trago de saliva. Fica boiando no ar o “ligo avisando”, pois ela já se foi.

Absorvo um último gole do seu perfume. Acelero, fecho meio olho pra ver se arroto uma lágrima emocionada, mas só sobe mesmo é o bafo da gasolina e o chiado grosso do motor.

Fui…. ou já estou voltando? 

Mas o diabo é que ela sempre vai comigo, grudada no meu couro. Nem mesmo dou conta de colocar uns cornos nela. pois sempre iria parecer que é ela quem está se esfregando em mim. 

No fim, fica ali, feito uma roupa apertada demais, sufocando o suor: nem o suor escapa dela. Seca parado, igual eu. Vai secando, murchando, ali estacionado. Transpiração.  Pois não é que acho mesmo que preciso mais de transpirar do que de respirar?

Respirar é mole, já transpirar precisa de espaço. Esse espaço que eu só tenho embaixo dos olhos dela.

Confusão dos mil demônios.  Será que adianta acelerar, ou dá na mesma?

E então chega a hora de ligar pra ela, que a poeira já abaixou nos caminhos. 

Sento no banquinho sob o cajueiro, curtindo a sombra e pensando uma coisa bem linda pra dizer. Mas na hora engasgo e só sai: “não tá chovendo aqui”. Papelão.  Me recupero,  mastigo um “eu te amo”, mas me atrapalho e engulo com um “eu ligo amanhã, amor”.  Amanhã… me espera que eu chamo.

Em resposta ao “eu te amo” da despedida dela, depois que desligo, sai um macilento “eu também”.

Agora é a barulheira, a ronqueira do motor já quente, a zueira assoprando a estrada.


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Áudio: Trabalhos técnicos de Ricardo Lima – Rádio UEL.

Acesse AQUI outro post da Coluna O COTIDIANO.

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