Os despojos de um sem pai

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Foto de cão deitado na rua.

O choro copioso pelo desamparo de ser um sem pai, pela primeira vez na vida; amenizado por um afago filial.


OS DESPOJOS DE UM SEM PAI.

Foi a última vez que eu chorei. E foi pelo falecimento do meu pai.

Foi um pranto quieto, porque as pessoas não deixam você à vontade nem quando o seu pai morreu. Já vem um palhaço e diz que você tem que ser forte. Soca essa cobrança na sua cara, com aquela voz pétrea.

Dias depois, meses depois, anos depois, tentei escrever sobre esse momento. Mas não saiu.

Só me vinha esse eu chorando, sem saber o porque. Fui incapaz de esclarecer, para mim mesmo, o motivo das lágrimas.

Afinal, saudade ainda não era. Tampouco fosse por não ter estado sempre junto dele, partilhando nossas vidas, o que seria a frustração de não ter vivido com ele. Também não estava com dó. Afinal, a doença justifica tudo, sempre.

Havia entendido que o pai viveu dias que eu não vi e que eu verei outros tantos episódios em seu lugar.

Por fim, só agora, passado um balaio de tempo, percebo umas coisas.

Primeiro que uma das minhas filhas, então com seis anos, já sabia o que estava ocorrendo. Pois até hoje diz que no velório do noninho, ela ficou alisando minha nuca, para me consolar. Acho que a pequena estava entendendo. A infância lhe permitiu então, ver tudo o que eu só vejo agora.

E este é o segundo entendimento: que fui eu quem passou ao desamparo de ser um sem pai, pela primeira vez na minha vida. Daí o choro!

Então era dessa realidade que a pequena Alice me consolava, com o afago suave da sua mão untada de inocência.


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Áudio: Trabalhos técnicos de Ricardo Lima – Rádio UEL.

Acesse AQUI outro post da Coluna O COTIDIANO.

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